Dial P for Popcorn: A Morte da 7ª Arte (Variação Malick)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A Morte da 7ª Arte (Variação Malick)

"O Dial P For Popcorn tem o prazer de vos apresentar o nosso mais recente colaborador! Axel Ferreira, nosso colega e amigo, aceitou o convite para a elaboração de uma crónica quinzenal. Com uma visão peculiar e distinta da realidade cinematográfica, A Morte da 7.ª Arte deixa apenas uma promessa: Ninguém a poderá evitar."


O Surdo Som das Palmas Douradas

Reconheço o devido mérito ao nada por existir, porque sempre será algo a opor-se à criação e algo em que pensar. Reconheço-o por ser sempre o contrário do que é conhecido e algo de que nos queremos afastar por natureza. Faz parte da natureza humana contrariar o nada. Por isso existe o instinto de sobrevivência. Por isso, mais uma vez, e mais lentamente quanto maior se torna o grupo, contrariamos este instinto. Criamos algo que nos permite dizer, racionalmente (porque afinal esta é a única arma humana), que há coisas mais importantes que a própria sobrevivência (algo sempre muito difícil de manter). E ainda mais uma vez, e de novo recorrendo à vontade imensa em contrariar, chegamos ao final do ciclo, onde chegamos de novo ao princípio e, com esperança, em posse de uma nova ideia. E é daqui que parte o dilema existencial, de uma maneira um pouco ingrata, a partir do conhecimento que nos permite ter consciência dela. Uma ironia das mais negras que pode existir.


Claro que não serão necessárias imagens em super slow motion da chama de um zippo para representar uma força que contrarie este princípio humano, mas de certeza que alguma ideia construtiva poderia surtir a partir desse pequeno efeito. Essa seria a esperança, pelo menos aquela que é deixada por algo controverso universalmente aceite (e não serei eu o único a achar algo de ainda mais controverso com esta frase). Não é que queira guardar durante muito tempo o suspense, afinal estou a falar da árvore que não estará crescida antes de eu ser adulto ou, na verdade, antes de morrer. Começando então pelo início, nada melhor do que recriar a criação com imagens caracteristicamente incaracterísticas e familiarmente únicas e, já agora, um pouco de violinos. Conseguido o primeiro objectivo de identificar o início do universo como algo um pouco moroso, mas com uma dicotomia espectacular entre espaço vazio e estrelas e nebulosas, passa à criação do nosso mundo (entendendo mundo como planeta e não mundo como espaço existente físico ou até, e quem diria, do pensamento). Esta criação também é morosa e primorosa no pormenor (mesmo que eu tenha quase a certeza absoluta que vi a mesma cascata duas vezes, ainda assim fica a certeza de que vi muita água). Mesmo assim, esta criação seria teoricamente muito mais rápida que a primeira, mas entendo que em perspectiva esta mereça ser mais apreciada que a criação universal. Depois uma citação bíblica e uma coisa que uma freira costumava dizer sobre a graça e a natureza, dois caminhos que podemos percorrer à nossa escolha. Então imagine-se a desgraça, a angústia de alguém que acredita numa figura divina e que confia nela para a proteger a quem acontece uma desgraça como perder um filho. E agradeço de facto a oportunidade de a imaginar quase inteiramente. Será esta a premissa: o questionamento e o caminho a seguir. Pondo as coisas em pratos limpos o pai do puto era a natureza e a mãe era a graça. Resumindo também a coisa ainda mais, o pai era um frustrado na sua vida e um pouco estrito com a educação dos filhos, no extremo de quase chegar à violência e a mãe, essa, às vezes até flutuava (juro). De qualquer maneira ela ficou um pouco chateada com Deus por causa da sua desgraça pessoal, mas o filme leva-nos para algo diferente, a maneira como foram educados os três irmãos durante a infância. Pois bem, o rapaz mais velho foi criado para ser o extremo da natureza, para poder controlar o seu futuro e ter enorme sucesso. Este rapaz, passado uns tempos, fica assim um pouco mais para o confuso e começa a ser mau e injusto com o dedo do irmão e uma janela. Não lhe sendo suficiente rouba um vestido de noite de uma tipa gira (até a associação de sexo com violência grita complexo, que afinal até era do Édipo). De qualquer maneira, mais tarde, ele torna-se naquilo que devia ser, um homem de sucesso, reparamos nisso pelo tamanho do edifício, o andar ser muito alto e ele andar num elevador muito moderno. Reparamos, também, que na realidade ele se tornou numa pessoa bastante soturna e triste, denotada pela cara de tristeza do rapaz que já era adulto. E devo premiar a selecção do Sean Penn para este papel, pois ele tem uma cara mesmo adequada para este efeito. De qualquer maneira ele anda na praia e passa uma porta e vai ter com a família dele e a mãe dá o filho dela a Deus, fazendo as pazes com Ele. E depois ainda vem outra vez a chama do zippo. No meio, ainda é de apreciar uma cena em que um dinossauro de características carnívoras é capaz de contrariar os seus instintos e ter misericórdia pelo pobre herbívoro moribundo. E ainda outra cena onde eu pensava que, crianças como eles eram, iam gozar com o andar de um deficiente, mas nem aí me deram esse prazer (e acho que é um pouco por aqui que este filme não chega aquilo a que tenta ser, a falta da ideia de que a existência humana é algo ridícula e muito efémera para as capacidades que consegue ter).


Vejam que esta não é uma versão sarcástica, mas mais construtiva que outra coisa. O sarcasmo corresponderia a dizer: “Perspectiva interessante esta, de facto, de fazer uma curta-metragem e depois contratar um fotógrafo para a transformar em longa. Além do pouco tempo que demora a mostrar que a morte de uma pessoa familiar deve ser aceite! Não quero imaginar o martírio que seria para ele se tentasse fazer um filme sobre o Holocausto.

Chegando ao fim fica aquilo que é dito. E aqui reparo na insistência do realizador explicar a sua ideia, de a desdobrar e expor exaustivamente, entrecortando cenas, juntando planos variados e música. Tentando mostrar a criação, as maravilhas do mundo e, ao mesmo tempo, mostrando uma história pequena, muito pequena com ideias muito simples. Não seria algo ignóbil se não tentasse demonstrar aquilo que não tem, uma tese ou uma conjectura, uma ideia elaborada ou algum espaço para a ter. É apenas um disfarce disso mesmo. Este filme leva à conclusão final de dar o filho a Deus, aceitar o que nos é dado como é dado, sem nada mais mostrar para isso que fantásticas fotografias em movimento. Este filme é a tentativa de redimir Deus do mal que acontece no mundo. Dizer que faz tudo parte de algo maior. Além de ser uma ideia já badalada recuso-me a aceitar, quanto mais acreditar, numa figura divina que precise de ser redimida, especialmente por este filme. A ideia que o caminho da graça será o melhor a seguir é algo que vai contra a própria natureza humana. Esta ideia de aceitar o que nos é dado vai contra tudo o que naturalmente tentamos alcançar e, o que é ainda mais grave, vai contra todo o conhecimento. Não existe uma incompatibilidade da existência de Deus e o Darwinismo, mas existe uma incompatibilidade entre a graça e a grande capacidade do ser humano: a racionalidade e a busca incansável pelo conhecimento. Este filme renega toda a espécie de pensamento construtivo, a “natureza”, a medicina para vivermos mais tempo, a literatura para descobrir o mundo e o ser humano complexo, a física com a problemática da origem do universo. Além de ser algo anti-natural faz parte de uma mentira intelectual (mais que não seja a ele próprio). Uma que achei que seria muito mais fácil de vender a gente americana (In God We Trust), mas de quem já premiou Farenheit 9/11 já espero tudo (Como se pode dizer tão mal de uma mentira e depois acreditar noutra só porque diz o que nós queremos?). Em resumo, não é uma ideia completa, apenas um raciocínio incompleto que acaba desta maneira: Deus criou o universo demorando uns largos milhões de anos para depois nos criar a nós, que devemos seguir o caminho da graça e sermos inúteis durante a vida mas bons, para depois podermos ir para o céu e sermos ainda mais inúteis. De facto, espantoso…

PS1: Quero dizer, em adenda, que a desconstrução inteira desta narrativa não seria feita para a maioria dos filmes, pois muitos passam pela irrelevância de nem sequer merecerem esta perda de tempo. O filme para mim chumbou, mas merece que eu explique porquê, pois é uma ideação falhada mas que pelo menos tinha mais intenção de transmitir uma mensagem que a maioria do cinema actual. O filme não é confuso, nem sem sentido, é apenas uma falácia intelectual disfarçada como arte.

PS2: Outras partículas de pó que se devem estar a remexer são as que ficaram do cadáver de Kubrick. Especialmente com esta espécie de dicotomia com o 2001: Odisseia no Espaço. Ele indagou a origem do conhecimento e a natural curiosidade humana como razão existencial, este homem não fez mais que insultar esta perspectiva.

PS3: Quero deixar a Malick um outro Salmo: “…no fundo, existiu apenas um único cristão, e esse morreu na cruz. …o “Reino de Deus” vem para julgar os seus inimigos… Mas assim tudo se torna um mal entendido: o “Reino de Deus” como um acto final, como promessa!” (Anticristo 39/40, Nietzsche).

Axel Ferreira

1 comentário:

João Madureira disse...

Bem esgalhado. O cinema como pretexto para falar de coisas bem mais elevadas é uma perspectiva que me fascina. Um forte abraço.