Dial P for Popcorn: Ninho de Cucos (III)

sábado, 16 de junho de 2012

Ninho de Cucos (III)

Por vezes, não ter nada que fazer torna-se numa boa oportunidade para pôr em dia certos desejos que, por sobrelotação horária ou por simples ócio, acabamos por erroneamente adiar. Foi com esta constatação que há coisa de mês, mês e meio, me resolvi a ver "O Planeta dos Macacos", uma marcante saga do final dos anos 60, com a qual tomei conhecimento pela primeira vez, através do remake de Tim Burton de 2001, ao qual a democracia do IMDB atribui um pragmático 5.6. Lembro-me de na altura o ter achado um filme desprovido de ritmo e perdido na simplicidade do heroísmo do protagonista, interpretado por Mark Wahlberg, cuja demanda permitiria ao espectador exigir uma dedicação mais emocional, e uma dramatização mais humana na envolvência da narrativa, que vai perdendo o interesse à medida que a história se desenrola, tal como uma pastilha vai perdendo o sabor à medida que a mascamos. Ainda assim, o desconcertante desenrolar dos acontecimentos foi viral o suficiente para me suscitar aquela necessidade (de espectador de novela brasileira) de ver todas as questões respondidas. Contudo, o desfecho final consegue ser ainda mais confuso e impossível que todo o resto do filme, sendo completamente desprovido de sentido, o que deixou com certeza muita gente a perguntar-se como é que ninguém, na linha de produção deste trabalho, se apercebeu que a maneira como acabam o raio do filme, não faz sentido algum!


Pois bem, ao fim de todos estes anos, resolvi então por os olhos no filme original, na ânsia de encontrar necessidade para a realização de um remake e qualidade que justificasse tal necessidade. E foi com bastante agrado que encontrei essa tal qualidade, que Tim Burton tanto se esforçou por esconder com espessas camadas de tretas. O Filme produzido por Arthur P. Jacobs é uma lufada de ar fresco para quem, como eu, teve o infortúnio de conhecer a história através da sua infeliz réplica. Esta obra, protagonizada por Charles Heston, explora as questões existencialistas levantadas por um ambiente em que o Homem não é o ser mais evoluído e integra-as num enredo em que a fuga é a única opção, terminando-a com um final arrebatador, capaz de sujar bem mais cuecas que muito filme de terror que por aí anda. Mas ao contrário do que possa dar a entender, o filme não se baseia tanto num confronto bélico entre duas civilizações rivais, mas antes num embate de consciências que coloca em perspectiva o modo como percebemos e aceitamos o mundo que nos rodeia. E não obstante os muitos anacronismos de que padece, "O Planeta dos Macacos" de 1968, tem todo o direito de ser considerado um clássico do cinema, ainda que as 4 sequelas que o sucederam entre 1970-1973, pouco tenham contribuído para esse estatuto (ao invés do mais recente "Rise of the Planet of the Apes" de 2011).


É portanto, com grande pena, que vejo um bom filme ser tão maltratado por um outro trabalho, que deveria, quando muito, servir para prestar tributo ao seu antecessor. Mas hoje em dia o cinema, como muitas outras artes, é uma indústria. Para quê honrar arte, quando se pode tão bem honrar o capitalismo, e espremer bem espremido um franchising tão promissor com um belo dum remake? Com 30 anos de avanço em meios técnicos e efeitos especiais nada poderia correr mal, certo? Bem pelo contrário. Um remake tem tudo para dar mal. Um remake é como seguir uma receita de culinária de um amigo: por um lado é preciso seguir os diferentes passos em concordância com o que está escrito, senão o provador vai dizer que a receita sabe diferente daquilo de deveria saber; por outro lado é preciso saber trazer algo de novo à receita, senão o provador vai dizer que o prato sabe igual ao do amigo. Sei que isto é um bocado "preso por ter cão, preso por não ter", mas aquilo que quero dizer é que como há bons e maus cozinheiros, também há bons e maus realizadores. É tudo uma questão de tempero.


Mas para mim, este nem é o principal problema dos remakes, porque por muito maus que possam ser, o original pode sempre ser revisitado, e apesar de tudo, há por aí filmes bons dentro do género. O principal pecado de um remake é o facto de este vir sempre depois do original e, como tal, condicionar o senso cultural das massas, (sobretudo os mais jovens) sob a enganosa premissa de que o remake não é um remake! Este é aliás um problema que é partilhado com a música, devido ao parente do remake: o cover. Pensem bem, quantas pessoas que conhecem não sabem de quem é o "Knockin on Heaven's Door", ou quantas acham que o "Somewhere over the Rainbow" é de um havaiano qualquer com obesidade mórbida? 


A verdade é que a tanto a música como o cinema são utilizadas cada vez mais como bens de consumo para simples entretenimento do seu utente, estando longe de serem vistas como peças de arte, não ostentando actualmente o mesmo estatuto cultural de um quadro ou de uma escultura, o que faz com que o último trabalho seja geralmente o mais reconhecido, independentemente da sua qualidade. Com a era da informação revela-se cada vez mais importante estar actualizado, passando para segundo plano o enriquecimento cultural. Por outras palavras, é mais útil conhecer o mais recente, do que o melhor. É aí que o remake triunfa!

Gustavo Santos

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