Por vezes, a motivação para ver cinema é distorcida pela contextualização que as últimas memórias são capazes de suscitar, nomeadamente quando são traumáticas o suficiente para condicionar um reflexo de repulsa por novas experiências que queiramos planear. Foi essa a impressão com que fiquei nos últimos tempos, depois de penitenciar os meus olhos com o desastre "2010, the Year we make contact", a infame sequela do clássico de Kubrick "2001, A Space Odyssey". Náusea está longe de ser uma sensação traumática, mas quando uma pessoa se dá ao luxo de habituar o espírito a ser mimado por grandes obras, é natural que uma mariquice destas seja conceptualizada como um rude golpe.
Contudo, o problema que surge quando um espectador se depara com um caso destes não necessita de todo de chegar a este ponto. Felizmente para a nossa espécie, o todo-poderoso dotou-nos da capacidade de abandonar uma sessão ao nosso critério e quando bem nos apetecer. E muitas vezes o que complica é perceber quando é que nos apetece. Perceber que um filme não nos agrada não é tarefa difícil, como é óbvio, mas decidir se estamos dispostos a prescindir do resto dele com base no que vimos até então é, sim, uma questão que pode parecer irresolúvel!
Mas também pode não o ser. Obviamente que depende sempre da pessoa e do filme em questão, mas a regra de ouro é: numa situação em que um filme necessite de uma atenção forçada para o continuarmos a visionar, a probabilidade é que, independentemente da qualidade do desenrolar do mesmo, o desenlace dos acontecimentos não venha a compensar esse esforço que a paciência se vê obrigada a exercer, trazendo toda uma conotação negativa à conceptualização da experiência cinematográfica.
Por outro lado, há ainda uma outra dimensão que é fulcral na decisão: o tempo. É fácil compreender que quanto mais longo for o filme, mais hipóteses terá de ver abandonado o seu visionamento por um espectador insatisfeito, enquanto que, por contraposição, um filme com menos de 2 horas terá, teoricamente, muito menor dificuldade em manter um espectador cativado, evitando toda esta problemática. Como é lógico, não há um limite máximo de duração para uma longa-metragem; o problema é que a débil mente humana tem um "attention span" que não lhe permite manter a atenção por horas a fio. No entanto, a capacidade de síntese, embora muito estimulada no nosso sistema de ensino, não parece ser uma virtude muito distribuída nos meios cinematográficos, onde dá impressão de nem sequer ser considerada uma virtude.
Ainda assim, sendo o cinema uma máquina de milhões, há sempre alguém que tenha olho para o negócio. Um desses casos é o universo dos filmes Disney. "O Rei Leão", "Hercules", "Aladdin" são todos grandes exemplos que marcam gerações, todos sob a alçada da fórmula vencedora do filme de 90min. Evidentemente, não é a curta duração que torna estes filmes tão apetecíveis e intemporais, mas olhando para o público-alvo destes filmes como versões com maior capacidade de distração do que um adulto facilmente se percebe que este elemento é necessário. E, acrescentando ainda filmes mais recentes da era 3D como Toy Story, Nemo, Up, etc., não é difícil de concordar que esta fórmula do filme moralista, curto e de narrativa simples resulta tão bem no adulto como nos mais novos.
Mas, mesmo fora da animação, há bons exemplos. Juntar um grupo de grandes actores e fazê-los contracenar em meia dúzia de cenas é outra combinação de grande sucesso, como atestam "Reservoir Dogs" ou "12 Angry Men", cujo carácter marcante é atingido pelo poder do diálogo e do choque da circunstância criminal, empregues de forma sublime numa narrativa tão intensa e proeminente, que não necessitam de mais de 100min para completar a sua rodagem.
O documentário, que geralmente não precisa de tantos minutos como o resto dos filmes, é mais um dos que entram neste lote. Boas fitas dos últimos anos, como o multigalardoado documentário sobre a vida do campeão brasileiro de Fórmula 1 "Senna" ou o vencedor do Óscar de melhor documentário de 2011 "Inside Job", representam magnificamente a ideia de que temas mais complexos do que inicialmente parecem podem perfeitamente ser retratados de forma exímia, num período de visionamento que não exija ao espectador perder metade de uma tarde ou deitar-se às quinhentas.
Outros filmes menos convencionais, como "Waking Life" (um sumarento trabalho sobre o sonho), "Palombella Rossa" (onde o comunismo se funde com o Polo Aquático sob a hilariante alçada de Nanni Moretti) ou "The Big Lebowski" (onde o lunático Steve Buscemi é a única personagem normal do filme), podem servir ao meu exemplo e muitos outros ainda caberiam, lembrasse-me eu deles. Mas o argumento está feito: dado que a duração é uma importante variável para a decisão do espectador que não sabe se quer ver o filme até ao fim, seria agradavelmente útil que as longas-metragens deixassem de ser tão longas, ou pelo menos que o filme de 1h30-2h deixasse de ter tão pouca utilização. É óbvio que filmes como "The Godfather" ou "Django Unchained", grandes no sentido literal e simbólico, não poderão ser postos nesta discussão. A riqueza das histórias e, acima de tudo, o produto final com todas os seus pormenores e envolvência artística devem sobrepor-se a qualquer limite temporal, sem desprimor, contudo, da arte própria em que consiste o condensar de uma história.
Gustavo Santos