"I give you a five-minute window, anything happens in that five minutes and I'm yours no matter what. [...] I don't carry a gun... I drive."
Um homem no meio da escuridão atende um telefone no seu quarto de hotel. Ele está sozinho e sozinho ele ficará, apesar das muitas pessoas que vão entrar e sair da sua vida ao longo do filme. É conhecido como o Driver, porque é isso que ele faz. De dia, é um duplo para cenas de acção (as habituais stunts) e mecânico. De noite, é o condutor de um veículo de fuga que ajuda vários tipos de actividades ilegais. Ele não é um criminal - ele só conduz. É assim, ao som de "Nightcall" de Kavinsky, uma das poucas canções que consta na brilhante banda sonora retro, sintética de Cliff Martinez, que o Driver liga o carro, carrega no acelerador e avança, nunca mais olhando para trás. "DRIVE" começa em cima e nunca desacelera, presenteando-nos com uma hipnótica, íntima, épica homenagem aos filmes de acção e violência metropolitanos de Michael Mann e William Friedkin (entre outros) dos anos 80 e à vida nocturna da cidade de Los Angeles. Carregado de adrenalina e testosterona "Drive" é uma verdadeira prenda para cinéfilos que há muito tempo aprenderam a amar os thrillers noir de Hollywood tal como Refn deve ter amado um dia.
Outro detalhe que me deleitou imenso foi a caracterização do nosso protagonista. Nunca sabemos o nome dele, nem dados sobre a sua família ou a sua história - só sabemos que é conhecido por Driver. E isso basta. Tudo aquilo que é preciso saber sobre a personagem está na sua obsessão por palitos, na sua escolha arrojada de vestuário de trabalho (um casaco branco com um escorpião dourado no seu dorso) e sobretudo nos olhos do actor que o interpreta. Ryan Gosling tem uma característica distintiva que instantaneamente nos atrai nele e que faz dele uma das estrelas mais excitantes da sua geração - é a plenitude, o mistério nos seus olhos. Em Gosling, Nicolas Winding Refn encontrou o parceiro perfeito para complementar o seu estilo: ninguém poderia interpretar este personagem tão cool, de expressão facial vazia, impenetrável, que poucas palavras diz, como Gosling o faz. É difícil dizer o que vai nos seus olhos azuis - o que o faz simultaneamente intrigante e intimidante. Nas poucas vezes que o Driver deixa transparecer a sua humanidade, quando Irene e Benicio (o filho de Irene) se encontram em perigo, é desconcertante vê-lo, periclitante, baixar a guarda e a arriscar-se por eles. Uma maravilhosa interpretação, a sua melhor este ano.
Para contrastar com o enigmático Driver, temos um grupo riquíssimo de actores secundários que dão ressonância emocional a um filme já de si poderoso à custa do seu estilo e da sua confiança, fazendo-nos preocupar com as pessoas que entram e saem da vida dele. Isto deve-se em absoluto ao calibre e talento do grupo de actores envolvidos, capazes de dar voz, sensibilidade e criar, de parcos momentos no ecrã, uma personagem completa, com uma história de vida sobre a qual adoraríamos saber mais se houvesse tempo. Carey Mulligan interpreta eficientemente a sua vizinha Irene, mulher casada e mãe de Benicio e empregada de mesa que vira o alvo improvável dos afectos do nosso protagonista, que se vê envolvido num negócio complicado com o marido de Irene, "Standard" (fantástico Oscar Isaac), acabado de sair da prisão. A outra ligação de Driver com o mundo do crime é Shannon (um esplêndido Bryan Cranston, que possui uma química brutal com Gosling), o seu chefe e agente, que o apresenta a duas figuras poderosas: o barulhento e rude dono de uma pizzaria, Nino (Ron Perlman) e o seu irmão Benny Rose (Albert Brooks), um homem pequeno mas ameaçador que esconde um talento para a violência brutal por detrás da sua cara feliz e satisfeita. É estranhamente excitante - mas nada divertido - vê-lo em acção. Christina Hendricks (que interpreta uma colaboradora de Nino, Blanche), finalmente, é particularmente divertida de observar na sua pequena cena.
Trabalhando a partir de uma história muito simplista baseada no romance de James Sallis de 2005 com o mesmo nome e adaptado para o grande ecrã pelo argumentista Hossein Amini (nomeado para Óscar por "The Wings of the Dove"), Nicolas Winding Refn aproveita a oportunidade para impressionar com o seu luxuoso, selvagem, arriscado sentido visual, a sua construção a passo rápido e os seus incríveis instintos, mais controlado e disciplinado aqui do que em "Valhalla Rising", o seu último filme, mas também infinitamente mais inspirado e electrizante aqui. O trabalho de Newton Thomas Sigel atrás da câmara também deve ser valorizado, oferecendo ao filme uma fotografia densa, rica, estilizada e cuidada que fica impregnada na mente muito depois do filme terminar. A cena do elevador é um excelente exemplo do quão exímio foi o trabalho de ambos. Fotografia icónica ao serviço da narrativa, mostrando a colisão entre os dois mundos em que Driver está envolvido e os riscos a subir em flecha. Crédito deve ser dado também a Cliff Martinez e às equipas de som, por extraordinariamente mostrar-nos as situações em torno do Driver como se lá estivéssemos.
Viciante, intenso, belo, genial e acima de tudo satisfatório, "Drive" é uma experiência verdadeiramente única, que satisfaz a sede do espectador por adrenalina e sangue e emoção e nos deixa no fim a mente - e o pulso - a mil por minuto. E tudo o que eu conseguia pensar era em ver o filme de novo. Depois de obviamente o ter feito, uma consideração ficou clara na minha consciência: acho que encontrámos a obsessão cinematográfica desta geração. E acredito que "Pulp Fiction" e Quentin Tarantino (para mim, o último revolucionário moderno a criar tanto impacto na cultura pop do seu tempo) não podiam estar mais satisfeitos com o seu sucessor.
Nota Final:
A-
Informação Adicional:
Realização: Nicolas Winding Refn
Argumento: Hossein Amini
Elenco: Ryan Gosling, Albert Brooks, Carey Mulligan, Ron Perlman, Bryan Cranston, Christina Hendricks, Oscar Isaac
Música: Cliff Martinez
Fotografia: Newton Thomas Sigel
5 comentários:
Bom texto, sublinho tudo. Um dos grandes filmes do ano, possivelmente o melhor. Digo possivelmente porque, felizmente, estamos a ter um ano extraordinário. Uma pena que em Portugal os críticos tenham querido distanciar-se do público e odiar todos o filme. Tudo bem, ser odiado por uns e amado por todos não é inédito. Mas o que aqui aconteceu foi o mesmo, ao contrário, que aconteceu com "Sangue do Meu Sangue" - querem chocar e dizem coisas como aquelas. Depois é comparar o top 2011 do Luís Miguel de Oliveira com o do Roger Ebert e perceber a diferença entre abarcar cinematografias diferentes e ser pseudo.
post indicado para melhores da semana.
http://blogsdecinemaclassico.blogspot.com/2011/12/links-da-semana-12-18-de-dezembro.html
DIOGO -- Sim, concordo. Não percebo como há gente que gosta de dar valor a pessoas como os críticos do Público só para se assumirem mais intelectuais e conhecedores que os outros.
DRIVE é um bom filme. Eu gostei muito.
CARLA -- Obrigado, como de costume.
Obrigado pelos comentários,
Jorge Rodrigues
Eu encontro-me na aparente minoria que francamente não gostou do Drive, o que me coloca na desagradável posição que é ter algo em comum com a maioria dos críticos profissionais de cinema portugueses (arrepio-me só de pensar nisso).
Reconheço-lhe méritos, como o estilo visual muito próprio que, embora não me tenha cativado, percebo porque possa agradar aos demais e a banda sonora, muitíssimo adequada.
Achei, no entanto, que por trás de toda a componente visual estava uma história demasiado simples e até um pouco banal. É uma história que já vimos muitas vezes antes, com um final previsível. Foi contada de uma forma um pouco diferente, sim, mas isso não foi o suficiente para me convencer.
Mais preocupante é a forma como o filme acaba por glorificar, de certo modo, a personagem principal e as suas acções. Apesar de um código moral que o leva a ter certas atitudes que nos parecem correctas, o Driver é, no fundo, um sociopata capaz de executar actos de violência extrema sem exibir qualquer sinal de ressonância afectiva. Isto só por si não seria um "dealbreaker", mas a própria campanha promocional em torno do filme insistiu na ideia de herói, ao invés de anti-herói como me parece que seria mais correcto. Ler críticas de utilizadores em vários sites assustou-me por me ter permitido ver como uma quantidade enorme de pessoas delirou com cada acto de brutalidade levado a cabo pela personagem principal. Reconheço que isso possa em parte ter contribuído para a minha opinião negativa acerca do filme.
Peço desculpa pelo comprimento do comentário, mas é um filme sobre o qual é difícil não me pronunciar.
Resta-me apenas uma referência a um excelente Bryan Cranston, para mim o ponto forte do filme, apesar do pouco tempo de ecrã.
Cumprimentos,
João Gomes
Eu adorei o filme e também penso que será um dos melhores deste ano!
Ryan Gosling é fantástico e tem aqui, para mim, a sua melhor prestação do ano. Um ano fortíssimo para ele.
Gosto igualmente da banda sonora, moderna, intensa e profunda.
Gostei da crítica!;)
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