"Father. Mother. Always you two wrestling inside me."
Como explicar a alguém o que é a vida e o que é a morte? Como entender qual o nosso papel aqui na Terra, como encontrar qual o significado da nossa existência? Como definir o bem e o mal, o corpóreo e o espiritual, o princípio e o fim? Estas são perguntas óbvias que qualquer um de nós, em certos momentos da vida, procura incessantemente responder. Uns viram-se para a religião, outros crêem no poder do destino, outros preferem acreditar em acasos. Uns pensam teimosa e repetidamente nestes assuntos, quase obcecando neles; outros optam por esquecer quando estes vêm à baila. E temos outros, como Terrence Malick (e Stanley Kubrick, antes dele) que se propõem a compreendê-los, a simplificá-los e desmistificá-los e, o que é acima de tudo mais impressionante, a filmá-los.
THE TREE OF LIFE é um filme bastante especial. Não é para ser compreendido, percebido ou definido em apenas uma visualização de duas horas. Não é seu objectivo propôr uma teoria ou significado sobre nada. É um filme para ser absorvido e apreciado a longo-prazo e, se tivermos para aí virados, analisado, pensado e teorizado. O tempo dirá se estamos perante uma obra de puro pretensiosismo intelectual e existencial ou se de facto temos perante nós uma obra-prima cujo valor analítico da nossa Humanidade e do nosso papel enquanto filhos do Homem é inestimável. A sua intenção pauta-se por mostrar - algo que é particularmente comum a todas as películas de Malick, mesmo que não no mesmo grau - o quão transcendente e único é o dom da Vida que nos é dado e quais os caminhos e circunstâncias que nos levam, cada um, a percorrê-la de forma diferente. Malick busca, basicamente, o impossível: aliar o filosófico poema existencial que funciona como força motriz do (escasso) fio narrativo ao magnânime pano de fundo visual que nos assombra e inspira ao mesmo tempo. E ele sucede nesse propósito, o que é de facto extraordinário.
A riqueza visual de Terrence Malick, um realizador na plenitude das suas capacidades e indubitavelmente na melhor forma da sua carreira, encontra um digno colaborador em Emmanuel Lubezki, que não se intimida com a tarefa gigantesca que Malick lhe propõe e constrói um retrato visual de meter inveja a muitas pinturas - poderosa, vibrante, observadora e perceptiva e ao mesmo tempo desafiadora e temerária, a fotografia de Lubezski é simplesmente sensacional e é muito por culpa dele que o filme resulta tão bem. Imagem atrás de imagem perfeitamente desenhada e escolhida, momento atrás de momento tão imaculadamente enquadrado e explorado, o requinte que cada segundo do filme nos proporciona não tem par com a vasta maioria dos filmes da actualidade.
A narrativa principia com um versículo do livro de Job ("Onde estavam vocês quando eu ergui os pilares da Terra?") e, tendo por base a história de uma família texana dos anos 50 e focando-se particularmente no crescimento do filho mais velho, Jack O'Brien (interpretado na sua fase jovem pelo excelente Hunter McCracken, a verdadeira surpresa do filme, em cujos olhos reside muita mais sabedoria e experiência que a sua tenra idade indicaria e, numa fase mais avançada da vida, por Sean Penn) vai avançando o enredo através de muito pouco diálogo, a maioria deste como que segredado, contendo na sua essência diversas verdades indesmentíveis, difíceis de ouvir mas absolutamente reais. A peça fulcral da narrativa da família é a curiosa e facilmente estabelecível dicotomia entre a mãe e o pai, a luz e as trevas, o bem e o mal, o sagrado e o humano. A mãe, Mrs. O'Brien (Jessica Chastain), acredita no bem de todos os entes e que uma vida pautada pela graça, bondade, amor, compaixão e adoração da natureza tem mais valor. O pai, Mr. O'Brien (um brilhante Brad Pitt, numa das melhores e mais introspectivas interpretações da carreira), crê mais na tenacidade, no orgulho e na fibra moral, qualidades necessárias num mundo em que "se és demasiado bom, as pessoas vão abusar de ti". Cada um educa os filhos à sua maneira e é dessa forma que o filme os apresenta a nós, como duas forças inspiradoras diferentes e, claro, que originam acções e reacções completamente distintas no seu primogénito, que não consegue discernir o mundo sem ter em conta as duas filosofias.
Ao seu centro surge uma brilhante e transcendente sequência de imagens a nível astronómico e depois biológico e até microscópico (na qual nem vale a pena entrar em mais detalhes), em que Malick nos mostra como a vida na Terra teve início, do cosmos à célula. De nos deixar boquiabertos mesmo que nem sempre consigamos ter certeza do que estamos a observar, a sublime e portentosa força que vem de cada retrato é suficiente para nos deslumbrar. O aparecimento dos dinossauros, bem como o cataclismo que lhes trouxe o fim, funciona como lembrança que todos os seres vivos neste planeta - mesmo o Homem - têm uma presença finita e um ciclo de vida a cumprir. O nascimento do primogénito da família, a cena que se segue, vem nessa mesma linha de pensamento: Malick entende que cada nascimento, cada infância, cada vida incorpora em si mesma uma história única de criação e, invariavelmente, uma conclusão.
O retorno aos efeitos especiais dá-se de novo no fim, quando voltamos finalmente ao personagem de Sean Penn, o qual é visto, na cena final, a ser recebido pela sua família, tal e qual como os lembrava quando era criança, quando a sua alma era pura e a sua existência não estava manchada pela sua Humanidade e, juntos, a caminharem ao longo de uma praia solarenga, numa referência indirecta (considero eu) ao seu reencontro espiritual, como almas em direcção a um Céu onde não há espaço nem tempo, onde existe um continuum e para onde todos iremos, assim, no fim da nossa vida terrena. A última cena, em que retornamos ao presente na Terra, abandona-nos com mil e uma ideias novas na cabeça mas sem nenhuma resposta concreta. Ao contrário do que muitos pseudointelectuais pretensiosos e bacocos (que, infelizmente, na nossa blogosfera há muitos, que pensam que são melhores que os outros só porque na cabeça deles vêem filmes que os outros não vêem e percebem melhor os filmes que os outros) na sua forma de ver o cinema pensam - que aquilo que eles chamam de "selectividade" eu chamo de "necessidade de se sentirem superiores"; mas adiante - Malick não estraga o final do filme a tentar compor um argumento incongruente e secante. É no abstracto que ele nos deixa e ainda bem - o filme é suposto levar-nos a tirar as nossas próprias conclusões e a relação com a religião é suposto ser uma mera provocação de um grande autor.
No final, o que fica é o que pretendermos retirar da história. Um inolvidável - e magnificamente ilustrado - hino à história da Criação, à dicotomia entre a Vida e a Morte e à procura do sentido da nossa existência, é no mistério que afinal reside o grande poder deste conto: esta força que nos move, que nos traz à Terra e que dela nos leva, que nunca ninguém conseguiu explicar - e nunca ninguém irá provavelmente explicar - de que se trata ou porque funciona desta forma. O mistério é, no fim de contas, a sua própria solução e o legado de Malick aqui é apenas pôr à prova a nossa subjectividade e a nossa enigmática insistência de tentar compreender o mundo em nosso redor. A melhor sugestão que o filme me dá mesmo é, afinal, apreciar esta gloriosa e épica jornada a que chamamos vida, porque de tão efémera que ela é, se não a aproveitarmos, um dia quando repararmos ela escapa-se das nossas mãos para todo o sempre.
Nota Final:
B+
Informação Adicional:
Realização: Terrence Malick
Elenco: Jessica Chastain, Brad Pitt, Sean Penn, Fiona Shaw, Hunter McCracken, Tye Sheridan, Laramie Eppler
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Banda Sonora: Alexandre Desplat
Ano: 2011
Trailer:
N.B: Se acharem que a música incomoda, eu retiro-a.