Dial P for Popcorn: THE DESCENDANTS (2011)

sábado, 4 de fevereiro de 2012

THE DESCENDANTS (2011)



"Paradise? Paradise can go fuck itself."


"Citizen Ruth". "Election". "About Schmidt". "Sideways". Este é o pesado legado que "The Descendants" teria de enfrentar e, como é óbvio, era impossível que fosse corresponder às expectativas de alguém que tem Alexander Payne em elevadíssima consideração e que toma todos os seus filmes como quase perfeitos no conceito e na execução.

"THE DESCENDANTS" conserva, ainda assim, alguns dos toques mágicos de Payne, saindo-se bastante bem com o local escolhido para a rodagem do filme (fotografia excepcional de Phedon Papamichael), com lindas e exóticas planícies havaianas, impacto auxiliado por uma banda sonora absolutamente inspirada que nos transporta facilmente para o ambiente acolhedor, pacato, quente dos trópicos. As interpretações são também bastante sólidas, se bem que estereotipadas: a personagem de Shailene Woodley nunca consegue soar a honesta ou genuína, a personagem de George Clooney tem graves problemas de caracterização - e, por muito que eu admire a qualidade e o talento de Clooney, resta-me sonhar com o que seria esse papel com um actor diferente, porque estou francamente farto que Clooney empreste fragmentos da sua verdadeira personalidade fora dos ecrãs aos filmes que faz - e mesmo Judy Greer tem de emprestar credibilidade a um dos piores personagens secundários que há memória este ano em filmes candidatos aos Óscares.


O problema principal do filme reside no seu argumento, uma pálida comparação em relação aos anteriores filmes de Payne: um argumento confuso, que não sabe bem o que quer, que nem é inteligente nem emocionante, que soa mais a pretensioso do que a autêntico, que transforma quase todas as personagens em indivíduos unidimensionais terrivelmente irritantes e insuportáveis, que espuma falsidade e procura, em vão, um equilíbrio (inexistente) entre o melodrama e a comédia. Preza-se - merecidamente, diga-se - Payne por criar situações e problemas intelectualmente estimulantes dos eventos mais banais do nosso dia-a-dia e com isso construir filmes dotados de razão e empatia, comédias para adultos que sabem conservar bem o toque dramático para deixar uma impressão final memorável do filme.


Em vez disto, em "The Descendants", o que temos é uma rábula de um homem de meia-idade - Matt King (Clooney) - em crise depois de ser informado que a sua mulher, em coma, será desligada das máquinas e que é obrigado a lidar com os diversos membros da família e providenciar suporte, de várias formas, a todos. Pelo meio, descobre a infidelidade da mulher através da filha mais velha, Alex (Woodley) e parte em busca do paradeiro do homem com quem a mulher o traiu, Brian Speer (Matthew Lillard), com a família toda atrás - a filha mais nova, Scotty (Amara Miller) e o abominável namorado da filha mais velha, Sid (Nick Krause). Consequentemente, arrasta para a confusão a mulher de Speer, Julie (Greer), tudo isto enquanto tenta resolver um negócio que tornará a sua família milionária.



A começar pela inglória e horrorosa narração de Clooney que empresta ao filme, logo nos minutos iniciais, toques de falsa emoção, continuando com o diálogo enfadonho e exageradamente melancólico ou irónico, consoante o caso, com personagens mal escritas que não parecem nunca pessoas verdadeiras, com problemas reais com os quais seja fácil criarmos empatia e familiaridade, com uma história que decide que o seu impacto emocional deve residir no desvendar da infidelidade e na forma como Matt lida com a situação, sem nunca nos dar qualquer hipótese de perceber como era o relacionamento dele com a mulher antes do coma, portanto nunca proporcionando forma de o espectador investir nessa relação, esperando somente que simpatize com o protagonista quando este, numa das últimas cenas, chora ao despedir-se da mulher e terminando na tentativa ridícula de santificação do protagonista ao longo de todo o filme através desta jornada de suposta auto-realização, luto e convalescença que este atravessa, nunca perdendo uma oportunidade de apontar todos os erros que a mulher cometeu mas esquecendo-se que na narração inicial Matt é o primeiro a admitir que cometeu muitos erros no seu casamento.


É realmente um testemunho à qualidade de Clooney como actor que ele saia deste filme intocável e com a melhor interpretação da carreira, cheia de nuance e personalidade, mesmo que não resista em imprimir o seu cunho pessoal na personagem (à semelhança do que fez em "Michael Clayton", "Up in the Air", "The Ides of March", "Ocean's Eleven" e muitas outras das suas personagens Clooneyescas), finalmente mostrando mais abertura e complexidade emocional do que é costume. Shailene Woodley deixou-me de água na boca, pois está muito bem, trazendo mais ao filme do que a sua personagem merecia, tal como Judy Greer, da qual sou enorme admirador há muitos anos (desde "15 Going on 30"), que arrasa a sua grande cena. Robert Forster e Nick Krause cumprem eximiamente os seus papéis de antagonistas do filme, um como o inexorável adolescente idiota e desbocado e outro como o velhote reformado, teimoso e de língua afiada.


Apesar de tudo, tal como o outro produto de George Clooney deste ano ("The Ides of March"), "THE DESCENDANTS" tem muito a recomendar. É um filme modesto e generoso sobre a fragmentação da família, sobre o valor do amor fraterno e paternal, sobre a forma como reagimos às adversidades na vida. É, no fundo, uma celebração da nossa humanidade, dos nossos erros e imperfeições. Se bem que as falhas o deixam, no fundo, saber a pouco, é um filme que em nada compromete a excelente carreira de Alexander Payne, um filme com alguns bons momentos e que, mais não seja, proporciona uma simpática sessão de cinema a quem o for ver.



Nota Final:
B-/C+

Informação Adicional:
Realização: Alexander Payne
Argumento: Jim Rash, Alexander Payne, Nat Faxon
Elenco: George Clooney, Shailene Woodley, Judy Greer, Robert Forster, Beau Bridges, Matthew Lillard, Amara Miller, Nick Krause
Ano: 2011

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