Dial P for Popcorn: EAT PRAY LOVE (2010)

sábado, 9 de outubro de 2010

EAT PRAY LOVE (2010)


"Attraversiamo". Esta palavra, que é como Liz (Roberts) se auto-define, no final do filme, e que usa para convidar Felipe (Bardem) para com ela atravessar o Pacífico e voltar a Nova Iorque com ela, já havia sido utilizada no início do filme numa cena sem qualquer interesse nem sentido, apenas para ilustrar o quão bonita é a língua italiana.


Infelizmente, "Eat Pray Love" também funciona assim - pega em cenas vindas do nada, atribuindo-lhes depois um significado desmesurado mais à frente no filme, como se fossem "eventos chave" que servirão de aprendizagem para Liz. Sem qualquer profundidade e cheio de futilidade, descreve-nos Itália através da comida e da união familiar, descreve-nos a Índia através da devoção religiosa e da contemplação meditativa e descreve-nos Bali como um eterno paraíso perdido entre as ilhas de Java indonesianas. Pelo meio, tenta manipular-nos com os eternos clichés sentimentalistas dos filmes tipicamente femininos - exactamente como o realizador Ryan Murphy faz na sua série televisiva "Glee" (embora aí a história seja parte menos fundamental que os números musicais, logo não importa muito para os fãs) -, tenta sensibilizar-nos para a experiência que Liz Gilbert vai tendo e tenta provocar em nós a vontade de também nós nos perdermos numa viagem destas. O que fica, duas horas e meia depois, é muito pouco.


Bom, o primeiro passo de Murphy foi conseguido: fazer-me identificar com a protagonista, com a sua auto-análise, fazer-me até concordar que uma mudança radical na sua vida é necessária, mesmo quando ela tem pura e simplesmente a vida que sempre quis, o marido que sempre quis e até a profissão que muitos desejariam ter. Mencionam-se discussões, menciona-se falta de entendimento entre os dois membros do casal, mas isso o filme nunca nos mostra. Ou porque está a querer ser condescendente connosco, ou porque acha que não interessa para nada (não sei, mas talvez me interessasse mais isso do que ver 30 minutos de comida italiana a ser-me atirada para a cara - não sei, talvez ajudasse a construir uma melhor caracterização da personagem principal, talvez desse para perceber o que correu tão mal na vida). Claro que no livro o assunto deve ter sido explorado muito melhor, mas isto é um filme e não é suposto eu ter que ler no subtexto (já nem digo entrelinhas, que este diálogo insípido não tem) coisas que Murphy devia ter-nos contado.


O problema de Murphy (passando agora para o segundo passo) foi não ter antevisto que ao não aprofundar a caracterização de Liz, tornou o personagem desagradável, insuportável e até mesmo detestável em certos momentos (então ela e os homens que lhe surgem, enfim). Julia Roberts trabalhou bem acima do material que lhe foi dado, isso é certo, conseguindo converter esta personalidade horrorosa que o argumento de Murphy lhe conferiu em desespero frântico e desejo de mudar de vida. Well done, cara Julia. Mas este problema de Murphy já não é de agora, como quem acompanha "Glee" e vê Lea Michele não ter pernas para andar com a terrível falta de personalidade da sua personagem, Rachel.


Vamos ao terceiro problema, que para mim é o pior. As personagens secundárias. Nenhuma (e friso o nenhuma), à excepção do texano Richard (Jenkins, numa interpretação cuidada, dedicada e sobretudo subtilmente complicada - isto é, com várias camadas de complexidade) que Liz encontra na Índia, contribui para ampliar a história. O marido Stephen (Crudrup) é puramente unidimensional e inacreditável; a melhor amiga Delia (Davis) de pouco mais serve - parece inicialmente servir de suporte mas não é em dois minutos de tempo de ecrã que conseguimos comprová-lo; David (Franco) é capaz de ser a pior personagem do filme; e Felipe (Bardem, com um brasileiro bacoco e terrível) é usado de todas as piores maneiras possíveis - será possível que alguém assim exista? Duvido muito. Já nem pego nas outras personagens secundárias estrangeiras, porque só servem para provar ao público a bipolaridade (queira-se dizer dualidade, vá) da protagonista.

Único real ponto positivo: a banda sonora. Dario Marianelli é um génio, já se sabe.

Depois de tudo considerado, penso que foi uma óptima oportunidade perdida. Senti-me definitivamente conectado com Liz, senti vontade de partir em viagem pelo mundo como ela e de facto admito que viajar com ela teria sido fabuloso - longe de fabuloso foi ver três horas de filme sobre isso. Que desperdício.



Nota:
B-/C+

Informação Adicional:
Ano: 2010
Realizador: Ryan Murphy
Argumento: Ryan Murphy, Jennifer Salt
Elenco: Julia Roberts, Javier Bardem, Viola Davis, Mike O'Malley, James Franco, Billy Crudrup, Richard Jenkins
Fotografia: Robert Richardson
Banda Sonora: Dario Marianelli

2 comentários:

Sarah disse...

A tua crítica está excelente. Concordo contigo especialmente quando dizes que não é fácil indentificar-se com esta personagem. Também houve partes em que a achei verdadeiramente insuportável, isto porque os seus dramas nem eram assim tão dramáticos.
Também fiz uma crítica ao filme no meu blogue, penso que fui um pouco mais positiva relativamente aos restantes actores. Mas secalhar é porque estava bastante bem disposta ontem ! Gostei muito do teu blogue, vou adicioná-lo à lista de links no meu blogue (:

Sarah
www.depoisdocinema.blogspot.com

Joana Vaz disse...

Tendo em conta o trailer, também fiquei decepcionada com o filme, mas tendo em conta a obra já seria de esperar que não fosse muito mais do que isto.

Se algumas vezes penso que poderiam ter explorado melhor os receios dela, o passado que a levou a tal decisão, outras acho que se o fizessem o filme se tornaria ainda mais maçador e pouco ou nada acrescentaria à construção da personagem.

Liz é uma mulher difícil de compreender, algumas vezes até caprichosa, que no fundo teve coragem e oportunidade de terminar com o que não a satisfazia completamente. E a aventura de três viagens num ano acaba por ser o refúgio. Sorte a dela!

O argumento não vende conselhos, mas acaba por os difundir demasiadas vezes…

Mesmo não apreciando soberbamente o filme, considero, tal como tu, que o seu tesouro é a banda sonora. Dario Marianelli muito bem (adoro a “Attraversiamo”) e Eddie Vedder com a sua voz extraordinária dá a profundidade necessária a alguns momentos, que mais ninguém conseguiu transmitir.

No fundo, “Eat Pray Love” vale pena a banda sonora e pelas paisagens!:)