Numa altura em que a HBO se prepara para iniciar três projectos excitantes com três das maiores actrizes do cinema actual -
Gwyneth Paltrow viu finalmente a HBO dar luz verde ao seu tele-filme de 2 partes sobre a vida de Marlene Dietrich;
Nicole Kidman está neste momento a filmar o seu tele-filme baseada no casamento de Ernest Hemingway e Martha Gellhorn, com estreia para 2012; e
Julianne Moore também vai ver a sua mini-série baseada no livro "Game Change", que relata a campanha presidencial de 2008, estrear provavelmente em 2012, na qual ela interpretará Sarah Palin - acabei por decidir que ia criticar em pleno as cinco partes da mais recente incursão de uma grande actriz de Hollywood nos projectos da HBO: o
remake de Todd Haynes de
MILDRED PIERCE, com
Kate Winslet como o personagem titular.
E penso que será precisamente o facto de ser um remake e ter que se comparar à fabulosa versão de 1945 protagonizada por Joan Crawford que funciona como a grande desvantagem desta mini-série. Claro que um filme de duas horas é completamente diferente de uma mini-série de mais de cinco. É óbvio. Contudo, a experiência será sempre diferente para quem já viu o filme e para quem não viu. É inevitável comparar - e é inevitável, no fim de contas, decidir a favor do antecessor. Joan Crawford e Ann Blyth são anos-luz melhores que Winslet e Wood, a história é muito mais interessante, muito mais absorvente e atraente e o final é plenamente mais satisfatório que o da mini-série. Infelizmente, é verdade. E custa-me mesmo muito admitir isto, tendo em consideração que sou um adepto fervoroso dos anteriores trabalhos do extraordinariamente dotado realizador Todd Haynes (Velvet Goldmine, Far From Heaven, I'm Not There) - desta vez o resultado final foi-me totalmente indiferente. Não me apaixonou, não me convenceu, não me surpreendeu de nenhuma maneira. Isto não quer dizer, no entanto, que não ache que a mini-série é boa. É. Qualquer produto HBO tem o seu selo de qualidade. O que quero dizer com isto é que não esbocei qualquer reacção à série, algo que me é anti-natura quando vejo um filme de Haynes.
Apesar disto, nem tudo é menos mau. O guarda-roupa de Ann Roth é divino (um trabalho bestial, como de costume), a banda sonora de Carter Burwell é, mais uma vez, deslumbrante (também já é habitual) e o elenco desempenhou as suas funções na perfeição, com classe e estilo, o que também não surpreende dado o talento dos envolvidos. Apesar de bastante diferente da Mildred Pierce confiante e sobrenaturalmente forte de Crawford, Kate Winslet consegue dar-lhe um toque muito pessoal à sua Mildred, transformando-a em mais uma vítima do que uma sobrevivente, criando sempre tensão em cada uma das suas cenas mais tocantes e mostrando sempre bem delineado a luta interna de Mildred entre a sua vida profissional e a pessoal, entre o seu desejo de independência e sucesso e o rebaixamento que a sua filha Veda lhe institui. Melissa Leo e Mare Winningham estão soberbas como Lucy e Ida, confidentes de Mildred, sempre prontas a bem aconselhar e a emprestar uma mão. São papéis pequenos, mas nos quais elas brilham. Já do elenco masculino... Dado o ódio que Guy Pearce me instigou durante toda a mini-série, penso que cumpriu o seu trabalho. Não achei que lhe tivesse sido dado muito que fazer, mas também ele não se esforçou para mais. Brian F. O'Byrne, por seu lado, fez muito com o pouco que lhe foi dado, sendo mesmo, para mim, a melhor interpretação de entre o elenco todo. Falta uma palavra meiga para Evan Rachel Wood e Morgan Turner, as duas intérpretes de Veda Pierce, que jogaram muito bem com os tiques de uma e outra, que fizeram a personagem evoluir de maneira inesperada mas muito madura e matreira e que, cada uma à sua forma, a tornaram muito mais importante do que ela é na história original.
O que acaba por se notar mais em termos de desfasamento em relação ao original é o cunho muito próprio do realizador. Várias decisões inteligentes acabam por transformar o ritmo do filme, mais lento, mais contemplativo, mais introspectivo, mais intimista. O estilo e a qualidade de Haynes, em comunhão com o seu excelente fotógrafo Edward Lachman (também seu colaborador em Far From Heaven e I'm Not There) fazem o resto. Parecem pintar uma tela belíssima, reluzente, memorável e atrevida nos seus pequenos detalhes, de uma indubitável preciosidade. MILDRED PIERCE de Todd Haynes, tal como TRUE GRIT dos irmãos Coen deste ano, parece funcionar como um santuário, uma dedicatória apaixonada de um realizador talentoso que, fascinado pelo texto quase sagrado em mãos e pela sua pautável admiração pelo seu antecessor, decide criar um projecto de cinco horas em que possa experimentar enquanto realizador ao mesmo tempo que manifesta a sua mais profunda devoção.
MILDRED PIERCE, ao contrário do que possa parecer pela minha crítica, não é mau. É bom. Até muito bom, por vezes. Nunca chega a atingir uma altura em que eu pudesse dizer "adorei isto" mas é, sem qualquer dúvida, um sucesso a todos os níveis. Para quem não viu o filme, então, será sem dúvida apaixonante descobrir e desvendar a cada hora que passa este maravilhoso projecto cinematográfico maduro e curioso. Deixar-se envolver pelas personagens, cujas intenções e história desconhece. Deixar-se levar pelos cenários maravilhosamente voluptuosos, fascinantes, fabulosos. Deixar-se apaixonar pelo talentoso elenco e pelo inequívoco valor e qualidade da produção. Certamente irá ganhar uma montanha de Emmy quando chegarmos a Agosto porque foi feito exactamente para isso. Tem algum propósito para além dos que eu mencionei? Penso que não. Valeu a pena existir? Penso que sim. Haveria necessidade de ter existido? Parece-me que não.
Nota Final:
B
Notas Parciais:
Parte 1 - B
Parte 2 - B-
Parte 3 - B+
Parte 4 - B-
Parte 5 - B+