Deve ser um prazer ter uma intérprete como Meryl Streep a protagonizar uma comédia. A actriz, profissional consumada, exímia no drama e na comédia, eleva qualquer material em que põe as mãos e transforma o que poderia ser uma comédia mediana em algo acima da média. Em "HOPE SPRINGS", mais uma vez a magia de Streep é palpável. Não está, desta vez, sozinha - encontra um oponente à altura em Tommy Lee Jones, rejuvenescido depois de um marasmo de carreira nos últimos anos. O filme é, basicamente, a colaboração dos dois. Tudo o resto é acessório. O realizador David Frankel teve uma decisão simples a tomar: deixá-los fazer o seu trabalho.
O filme começa com a constatação que a vida deste casal está por um fio. Kay (Streep) e Arnold (Jones) são um casal suburbano com problemas no casamento, como tantos outros. A convivência é estarrecedora, com poucas trocas de palavras e apenas gestos rotineiros pelo meio do seu dia-a-dia. E assim avança o tempo. Até que Kay, farta de se sentir solitária e menosprezada, finalmente se presta a dizer basta e sacrifica a sua vida pacata por um acto absolutamente radical - que poderá todavia mudar de uma vez por todas o seu casamento. É nesta primeira metade que é possível apreciar o quanto o talento de ambos os actores contribui para melhorar o filme: a raiva interna de Arnold por ser incapaz de acompanhar o novo estado de espírito de Kay e, ao mesmo tempo, o desespero de Kay por querer simultaneamente que o marido reaja e por estar cansada de esperar que este mude e a deixe de ignorar. Uma cena particularmente tocante ocorre quando o terapeuta - interpretado com uma classe e tranquilidade admiráveis por Steve Carell - lhes propõe um cenário sexual bastante distante do que é hábito do casal. O olhar enternecedor de Meryl, ao ver que Arnold a rejeita, transforma-se de repente num ar de autocomiseração, tristeza e vergonha que é impossível não querer saltar para a tela e, naquele momento, abraçá-la e dizer que tudo vai ficar bem.
Os dois protagonistas merecem elogios pela familiaridade e vulgaridade com que interpretam Kay e Arnold. Streep em particular é impressionante na forma como de novo (já cansa dizer isto) desaparece no papel desta comum e frágil mulher que só deseja voltar a ser amada pelo marido como antes. Perfeita na simbiose com Jones, cujo trabalho na segunda metade do filme é notável, ao ter que deixar a sua zona de conforto e divertir-se um pouco (algo incomum na maioria da filmografia de Tommy Lee Jones), pois para ganhar Kay de volta, Arnold vai ter de arriscar em situações que nunca julgou ser capaz de concretizar.
As sessões com o terapeuta (Carell) são indubitavelmente os momentos mais fortes do filme, particularmente nas primeiras sessões quando demasiadas verdades são lançadas para o ar e nenhum dos dois membros do casal está preparado para encarar a dura realidade que estão há demasiado tempo sem contactarem intimamente um com o outro. Altos e baixos, momentos de felicidade e melancolia, vão-nos informando do quanto este casal mudou com os anos. É nestes momentos que o filme larga o rótulo de comédia romântica e se torna algo mais. Não compensa por algumas partes do filme bem mais ridículas (todas as cenas com Elizabeth Shue são escusadas; e creio que só não foram editadas no final porque Shue é ainda um nome de respeito em Hollywood) mas seguramente que lá estão para nos lembrar, pelo menos numa apreciação geral, que o filme tenta fugir à maioria das convenções - e em parte o consegue. Uma nota ao terrível acompanhamento musical do filme, que rivaliza com "Chéri" na banda sonora mais inadequada que eu me lembro de ouvir num filme. É especialmente confrangedor ver cenas de aparente tristeza acompanhadas por música alegre e esperançosa. Amadorismo.
Incrivelmente especial e honesto, vincando com convicção as apreciações que tem a tecer sobre as dificuldades de um casamento, da intimidade e da sexualidade na flor da meia-idade, com duas interpretações gigantes de Jones e Streep, "HOPE SPRINGS" torna-se muito mais que uma simples comédia romântica. É um filme obrigatório para todos quantos pretendem completar a sua formação cinéfila de 2012. É um dos pequenos grandes filmes do ano. Sem ninguém (friso: ninguém) esperar que o fosse ser.
Nota:
B/B+ (8/10)
Informação Adicional:
Realização: David Frankel
Argumento: Vanessa Taylor
Elenco: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carell, Elisabeth Shue, Jean Smart
Ano: 2012
Música: Theodore Shapiro
2 comentários:
Concordo em absoluto com a crítica. É um filme muito interessante, que aborda uma temática universal e pouco falada no cinema. Para além disso, conta com duas grandes interpretações e uma meia surpresa, com Steve Carrell a interpretar uma personagem séria com relativo sucesso.
No fundo, uma das grandes surpresas do ano!
Narrador Ignóbil,
cemargumentos.wordpress.com
BSerpa -- Obrigado pelo comentário! É refrescante termos foco nos mais velhos, para variar. E sim os dois actores são fantásticos!
Abraço!
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