Dial P for Popcorn: LINCOLN (2012)

sábado, 2 de fevereiro de 2013

LINCOLN (2012)



Como retratar o homem sem sacrificar a lenda? Como pegar numa personagem que parece ao mesmo tempo tão familiar e desconhecida? Sobejamente elogiado pelos historiadores, emulado por tudo quanto é político moderno, amado pelo povo e ainda hoje considerado dos melhores - senão o melhor - presidente de sempre dos Estados Unidos da América. Como pegar em Lincoln e mostrar um homem diferente daquele que todos nos habituamos a conhecer? Pois bem, é simples. É dá-lo a Daniel Day-Lewis, o actor com mais versatilidade, carisma e talento do mundo. Aquele superior trabalho de caracterização ajuda a desaparecer na personagem, mas é a mudança de voz, a internalização, a solenidade, o peculiar sentido de humor e a gentileza de alma que ajudam Day-Lewis a verdadeiramente transformar-se em Abraham Lincoln - o homem, não a lenda. 


"Lincoln" vive sobretudo desta interpretação magnífica e reverente de Day-Lewis, que decide abordar o lendário advogado e político tornado Presidente pelo povo americano em 1861 através da sua figura pacata e simples, bondosa e amável, estimada por todos. E o filme realmente funciona assim que Day-Lewis floreia os belíssimos discursos e diálogos preparados com rigor e importância pelo inexcedível Tony Kushner, a real estrela da película. O seu argumento, pese uma ou outra linha de diálogo mais tormentosa e alguma desesperante e interminável necessidade de expor as situações na primeira hora, é um espectáculo. Dinâmico, dá cor e vida à política e passa uma lição importante sem parecer enfadonho e, sobretudo, arrogante e académico, como se estivesse em cima de um pedestal. Tal como faz na sua peça vencedora de Pulitzer posteriormente adaptada pelo próprio para minissérie da HBO realizada por Mike Nichols - "Angels in America", Kushner transmite-nos a verdade, o que é realmente pertinente e acima de tudo que a política é feita por pessoas e que a humanidade ultrapassa sempre o indivíduo. As cenas na Casa dos Representantes são especialmente inspiradas e apaixonantes.


Day-Lewis não é, contudo, o único actor a admirar no filme. Encabeça um enorme elenco, composto por grandes actores, de Jared Harris a Lee Pace, de David Costabile a Hal Holbrook, todos a trabalhar a alto nível e é brilhantemente auxiliado por interpretações igualmente espantosas de Sally Field (uma surpresa, de volta aos grandes papéis), David Strathairn (desde 2005 a trabalhar de forma variada e prolífica) e Tommy Lee Jones (igual a si mesmo, mas com uma faísca que há muito não se via - e em 2012 apareceu a dobrar, com isto e "Hope Springs").


Infelizmente, "Lincoln" é relativamente maçudo na primeira hora, com algumas cenas que não compensam de todo o investimento na história geral da película (uma segunda hora dinâmica e consistente perde valor com aquela interminável "introdução"), alguns actores estão claramente a mais (Joseph Gordon-Levitt é quem me salta logo à cabeça), a palete de cores de Kaminski é muito taciturna e cinzenta e até John Williams parece mais aborrecido que o habitual, com uma banda sonora reciclada e cansada. Steven Spielberg, apesar de merecer palmas pelo auto-controlo exercido (o quanto não sofreu "War Horse" de demasiado Spielberg), não consegue oferecer ao filme a magia de que outrora dispunha e deixa, mais vezes do que devia, o filme fugir para uma amálgama de melodrama absolutamente inapropriada. É uma pena que o filme alterne mais vezes do que devia a mediana com momentos de puro génio, mas é assim. Quando o elenco surge em conjunto no Congresso ou interage com Day-Lewis, o tempo voa e o filme brilha. É pena que viva de cenas, de momentos. Se todo o filme fosse composto com mais cuidado, melhor editado - e sim até o argumento merecia um polimento - teria saído bem melhor. Que esteja a receber os elogios que tem recebido só mostra que a lenda de Lincoln ainda importa a muitos americanos.



Nota:
B (7/10)

Realização: Steven Spielberg
Argumento: Tony Kushner
Elenco: Daniel Day-Lewis, Sally Field, Tommy Lee Jones, Lee Pace, David Costabile, David Strathairn, James Spader, John Hawkes, Jared Harris, Hal Holbrook, Joseph Gordon-Levitt, Tim Blake Nelson, Bruce McGill, Michael Stuhlbarg, Walton Goggins, Adam Driver, Jackie Earle Haley
Fotografia: Janusz Kaminski
Música: John Williams
Ano: 2012

3 comentários:

Tripas disse...

Excelente análise. Pensei exactamente o mesmo: "era um filme porreiro sem a primeira hora".

Sam disse...

Esta crítica mereceu destaque na rubrica «A “Polémica” do Mês» do Keyzer Soze’s Place, disponível aqui: http://sozekeyser.blogspot.pt/2013/02/a-polemica-do-mes-20.html

Cumps cinéfilos.

Jorge Rodrigues disse...


Obrigado pelos comentários, malta!

Jorge