Dial P for Popcorn: Maratona Meryl Streep: THE DEER HUNTER (1978)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Maratona Meryl Streep: THE DEER HUNTER (1978)

Este artigo faz parte da nossa semana especial dedicada a Meryl Streep, intitulada apropriadamente Maratona Meryl Streep by Dial P For Popcorn. Vamos analisar os títulos mais importantes da sua filmografia e vamos tentar perceber como foi a sua carreira, como foi cada uma das suas nomeações aos Óscares e como é, portanto, a pessoa, a actriz, a mulher que se chama Mary Louise Streep.



THE DEER HUNTER (Cimino, 1978)



"A deer's gotta be taken with one shot."


"The Deer Hunter" é um daqueles raros filmes de guerra que consegue ser livre de moral, livre de politicismos, livre de ideologias.  Não é um filme anti-guerra, não é um filme pró-guerra; é, na realidade, um relato excruciante, violento, pesaroso e bastante real dos efeitos que a guerra tem nas pessoas, tanto nos que vivem a guerra como nos que os rodeiam quando - e se - estes voltam à vida que abandonaram quando partiram para zona de combate. É um filme sobre pessoas: sobre um grupo de amigos, os três muito jovens, que partem para a guerra; sobre casamentos e funerais como partes normais da vida e do tempo de guerra; sobre indivíduos cujas vidas ficam drasticamente modificadas pela guerra.

É um filme emocionalmente desgastante, que nos tortura até ao fim com o sofrimento exterior e, mais tarde, interior dos seus personagens, imersos nas suas feridas internas, imersos nos seus problemas, incapazes de voltar a uma vida normal.

O filme começa por nos mostrar o dia-a-dia de uma pequena cidade na Pennsylvania, focando a nossa atenção no quão rotineiro e vulgar é a vida da gente desta cidade, tão mal habituada a que coisas de grande dimensão lhe aconteçam.  São pessoas normais, criadas em famílias com valores tradicionais, contentadas com o seu empregozinho e com a sua vidinha pacata. O filme introduz-nos então aos três protagonistas do filme, Nick, Michael e Steven, todos de partida para o Vietname após se terem alistado no exército. Enquanto saem do seu trabalho na mina de carvão e se deslocam até ao bar mais próximo, onde os acompanhamos a divertirem-se, a cantar e a dançar inclusivé, percebemos logo o quão diferentes estas pessoas vão ficar depois da guerra chegar e arrancar-lhes o espírito.

Coincidentemente, este dia em que os acompanhamos vem a culminar no casamento de Steven, um dos rapazes que parte para o Vietname, com Angela, uma das raparigas da cidade (todas caracterizadas, até então, como inocentes, alegres da vida, sem nada substancial nas suas vidas para elas apreciarem e darem valor). A sequência do casamento é uma das cenas mais brilhantemente executadas em todo o filme e a dicotomia que faz com a cena de funeral que encerra o filme mostra bem a excelente narrativa e o fio condutor que Cimino empregou no filme. Nesta cena, há tempo para toda a gente manifestar a sua alegria, a sua excitação, dá tempo para todos beberem e celebrarem e festejarem efusivamente a partida dos seus três homens e o casamento de um deles. 


E encerramos aqui a porção alegre do filme. O tom do filme torna-se muito mais sério já nesta cena seguinte, em que assistimos a um diálogo imensamente interessante - e imensamente rico de subtexto sobre o que significa caçar veados - e, num dos truques de edição mais famosos da história do cinema, a película corta para o meio da acção no Vietname.

O filme mostra os nossos bravos homens a serem capturados e torturados e é claramente visível nas suas caras o sofrimento, o suplício, a dureza e a exaustão que a guerra imprimiu nas suas vidas, de repente, e nós audiência sentimos quase que imediatamente que o chão nos é arrancado, enquanto os três homens são obrigados a participar num jogo de roleta russa, em que os seus captores apostam em quem vai ou não explodir os seus miolos. Nick e Steven começam a perder um pouco a sanidade e é Michael, que até então pouca personalidade tinha mostrado, tendo mesmo começado a exibir rótulo de anti-herói, que com a sua grande vontade de viver impulsiona os outros dois homens para uma fuga improvável. A cena em que os homens clamam liberdade é tão magnetizante quanto gélida e serve muito bem para ilustrar o quão mudados eles se encontram.


Longe da guerra, os três amigos vêm a sofrer destinos bastante distintos: Nick fica em Saigão; Steven, agora deficiente, tendo perdido ambas as pernas, encontra-se num hospital de veteranos de guerra; e Michael é, então, o único que volta a casa. Este regresso a casa, contudo, nunca chega a acontecer, uma vez que o Michael que retorna à Pennsylvania não é o mesmo Michael que de lá saiu. Este Michael é ainda mais contido, ainda mais tímido, imerso numa raiva silenciosa que não lhe permite voltar a reconectar-se com os amigos e, mais importante, que o impede de ter uma vida normal com Linda, antiga namorada de Nick por quem Michael sempre teve sentimentos (e Linda, percebe-se desde sempre, nunca se soube bem decidir por qual dos dois homens; teve que vir a guerra para decidir-se por ela). Não havia forma de ele conseguir contar, de conseguir explicar o que lá viu, o que lá passou, o que eles não sabem que aconteceu.

Após visitar Steven no hospital (algo que levou a Michael imenso tempo a fazer) e descobrir que Nick ainda se encontrava por terras asiáticas - e relembrando uma promessa antiga de nunca abandonar o amigo para trás -, Michael parte de volta ao Saigão para recuperar Nick. O clímax final do filme é bastante potente, que tem na sua cena final, as gentes a cantar "God Bless America" num funeral, um culminar que é fiel ao tom e à linha narrativa do filme. 

Num filme com extraordinárias interpretações de Savage, de Streep, de Walken (que venceu o Óscar de Melhor Actor Secundário) e principalmente de DeNiro, é  da realização de Cimino, da edição de Zinner, da fotografia de Zsigmond e do argumento de Washburn que se fala quando pegamos nos pontos fortes do filme.


Trágico mas belo, melancólico mas profundo, "The Deer Hunter" acaba por explorar os traços de personalidade que constroem o que cada um de nós é, que nos fazem reagir de forma diferente aos eventos na vida, que nos levam a superar os obstáculos de diferentes modos. É um filme sobre amizade, é um filme sobre a desumana condição de vida nas zonas de combate, é um filme sobre patriotismo, sobre heroísmo, sobre a vida e sobre a vontade de viver. Não é a guerra que toma o papel principal aqui, como eu já disse; são as pessoas e as experiências devastadoras que nela obtiveram.


"The Deer Hunter" viria a ganhar 5 Óscares em 9 nomeações na cerimónia de 1979, incluindo Melhor Actor Secundário, Melhor Realizador e Melhor Filme.


NOTA:
B+


INFORMAÇÃO ADICIONAL:
Ano: 1978
Duração: 182 minutos
Realização: Michael Cimino
Argumento: Michael Cimino e Deric Washburn
Elenco: Robert DeNiro, Meryl Streep, John Cazale, John Savage, Christopher Walken
Banda Sonora: Stanley Myers
Edição: Peter Zinner
Fotografia: Vilmos Zsigmond



2 comentários:

Jorge Teixeira disse...

É um grande filme, sem dúvida. Excelente análise da película. Eu destaco aqui o argumento sublime, a fotografia e as interpretações, muito boas. Meryl Streep como sempre está fenomenal, e aqui não precisa, nem fala muito, toca-nos com as expressões faciais.

A cena que mais gosto é de quando os protagonistas são prisioneiros e jogam ao famoso roleta russa da morte...muito emocionante e marcante!

abraço

José Neves disse...

para mim é aquele 10/10 absoluto! foi a minha primeira grande experiência cinematográfica, na fase tenra da adolescência.