Dial P for Popcorn: Especial Animação: GRAVE OF THE FIREFLIES (1988)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Especial Animação: GRAVE OF THE FIREFLIES (1988)



Poucos filmes vi eu na minha vida tão profunda e humanamente depressivos como este. E poucos filmes vi eu também com uma mensagem social anti-guerra tão vincada quanto realista.  Um dos primeiros filmes dos nipónicos Studio Ghibli, lançado no Japão a par com o decididamente mais alegre "My Neighbour Totoro" de Miyazaki, como forma de contrabalancear com o seu pesado dramatismo, "Grave of the Fireflies" é a obra definidora de Isao Takahata e, mais que tudo, é o filme que abriu novos horizontes no que é possível fazer com a animação contemporânea (abrindo caminhos para que filmes como "The Lion King", "Princess Mononoke", "The Iron Giant", "Toy Story", "Up!", entre outros, tenham podido abordar temas mais sérios, considerados antes impróprios em filmes para crianças).


"Grave of the Fireflies", baseado no romance semi-autobiográfico com o mesmo nome de Akiyuki Nosaka, conta uma história relativamente simples e directa de sobrevivência e persistência, relatando a história de dois irmãos, Seita e Setsuko, órfãos de pai e mãe, vítimas dos ataques americanos à população de Kobe durante a II Guerra Mundial. A história é contada em analepse, começando no momento em que Seita perece de fome e malnutrição. O empregado de limpeza da estação de comboio atira fora uma lata de rebuçados de cai das mãos de Seita, que continha cinzas e pequenos ossos. Deles surge o espírito de Seita e de Setsuko e uma nuvem de pirilampos e é a partir daqui que a narrativa retrocede no tempo, para nos dar a conhecer a sua história.


Não querendo adiantar grandes pormenores da história, Seita e Setsuko vêem-se privados da sua mãe quando esta é uma das vítimas de um ataque aéreo por avionetas americanas à região, falecendo dias depois por queimaduras múltiplas. Uma vez que o seu pai se encontra na Marinha, são deixados ao cuidado da sua tia. Esta tia é uma das personagens mais curiosas de todo o filme, uma vez que é através da mudança comportamental dela que Takahata nos permite ver como a sociedade, no geral, iria reagir a uma situação de crise, de fome, de pobreza, de guerra. A tia, outrora alegre e contagiante, vai ficando mais triste, com o sorriso cada vez mais cerrado e vai implicando cada vez mais com os dois sobrinhos que adoptou, até ao ponto de praticamente os expulsar de casa. Seita e Setsuko abandonam a casa da tia e improvisam um lar num abrigo anti-bomba abandonado. No entanto, aquilo que seria uma solução alegre para ambos os problemas torna-se um problema em si mesmo, quando as crianças, a passar cada vez mais fome e a ter de recorrer a meios cada vez mais desesperados para conseguir subsistir, descobrem que Setsuko está doente e que, com o final da guerra, o seu pai teria feito parte de um dos navios afundados. 


Extremamente gráfico e com um poder emocional de nos arrancar as entranhas e abraçar o coração, "Grave of the Fireflies" não é para todos. Trágico, deprimente e desprovido de qualquer sentimento positivo, é na sua mensagem anti-guerra que reside a sua riqueza. Ao retratar de forma tão dura, realista e pessimista as consequências negativas da guerra para a sociedade, o filme não procura ser sentimentalista ou melodramático - pretende, isso sim, mostrar as coisas como elas são. A realidade raramente é simpática. Este é um filme sobre a guerra, sobre a fome e a pobreza, sobre a sociedade e sobre a humanidade, que por acaso calhou ser animado. É um filme que não puxa pelas lágrimas; somos compelidos a jorrá-las, tal é a intensidade dramática do que testemunhamos no ecrã.

O filme perde tempo em alguns momentos soberbos, de uma beleza inqualificável, vitais para nos obrigar a reflectir e a meditar, para nos apaixonarmos pelas personagens e temermos pelo seu futuro, para sermos apanhados de surpresa pelo fim pesaroso e percebermos que é, afinal, aquele o fim de muitas famílias apanhadas em território de guerra.


E a relação tão bem caracterizada e estabelecida dos dois irmãos é, para mim, o grande ponto forte e força motriz do filme. A forma como Seita é repetidamente colocado à prova e a sua reacção difere em várias alturas durante o filme é sublime, além de que é verdadeiramente enternecedor - e, sabendo do final, absolutamente avassalador - ver como os dois se são bem e ver a forma como Seita protege Setsuko da realidade alinhando nas brincadeiras e criando uma espécie de mundo à parte só para ela, onde nada lhes acontece e onde tudo fica bem. Não tenho vergonha em admitir que foi um dos filmes que mais vontade me deu de chorar. Lágrimas de luto, de quem tem o seu coração partido pelo que vê suceder sem poder fazer nada. "Grave of the Fireflies" promete ser uma experiência emocional poderosa que vos vai perseguir para sempre. E é por isso, acima de tudo, que eu aconselho toda a gente a vê-lo. Vale a pena - mesmo que depois disso não consigam alegrar-se com nada por umas horas.

Deixo-vos ficar abaixo com o tema final da banda sonora.



Nota:
A

Ficha Técnica:
Ano: 1988
Realizador: Isao Takahata


4 comentários:

Nuno Barroso disse...

É um belo filme, apesar de achar de que o início diminui em certa parte aquele impacto emocional final. De qualquer forma, é uma das animações que vem exactamente mostrar que a animação não é só para crianças.

Jorge Rodrigues disse...

NUNO:

Antes de mais, obrigado pelo comentário, julgo que já faz algum tempo desde a última vez que cá vieste :)

E concordo contigo, penso que a maior virtude deste filme é mostrar, mesmo em 1988, tempo em que a maioria das pessoas só conhece contos de fada da Disney, que a animação pode ter outro propósito e entreter outros para além das crianças.


Cumprimentos,

Jorge Rodrigues

Joana Vaz disse...

Vi hoje pela primeira vez o filme e só agora li a tua crítica (não quis lê-la antes, para não saber absolutamente nada sobre o filme) e se tivesse de caracterizarnuma só palavra, essa seria MAGNÍFICO!

Simplesmente avassalador...
Cheio de momentos carinhosos, que mostram uma relação de irmãos tão chegada e bonita (o momento do abrigo iluminado com o brilho dos pirilampos é mágico), mas também recheado de momentos de partir o coração...
E o final é quase doloroso.

Adorei o filme e neste momento é o meu favorito (a léguas de qualquer outro) dos estúdios Ghibli.;)

Parabéns pela crítica, está muito bonita!;)

AnnaStesia disse...

Belíssimo!