Este artigo faz parte da nossa semana temporada especial dedicada a Meryl Streep, intitulada apropriadamente Maratona Meryl Streep by Dial P For Popcorn. Vamos analisar os títulos mais importantes da sua filmografia e vamos tentar perceber como foi a sua carreira, como foi cada uma das suas nomeações aos Óscares e como é, portanto, a pessoa, a actriz, a mulher que se chama Mary Louise Streep.
Depois de analisarmos um primeiro título da sua filmografia dos anos 80 ("Sophie's Choice"), vamos agora abordar outro, que é bastante especial para mim, porque é das minhas interpretações favoritas dela:
"Goddamn goverment fucks you comin' and going."
Vou começar a minha crónica por confessar a minha maior admiração pelo realizador deste filme, Mike Nichols, um cineasta americano como poucos outros, que nos deu das obras mais assinalavelmente populares dos últimos cinquenta anos (basta dizer que foi o realizador de "The Graduate", "Who's Afraid of Virginia Woolf?", "Working Girl", "Carnal Knowledge" e é o responsável pelas minhas três interpretações favoritas de Meryl Streep, em "Postcards from the Edge", no fabuloso "Angels in America" e neste "Silkwood"). As suas quatro colaborações com Meryl Streep, aparte de "The Graduate" e do sucesso que este obteve, são sem dúvida portanto o seu ponto alto e é interessante ver a simbiose entre o seu excelente trabalho como realizador e a interpretação que Streep lhe entrega nos seus filmes.
Ao filme passamos. "Silkwood" é baseado na história verídica de Karen Silkwood, uma mulher como tantas outras que por acaso trabalhava na central nuclear Kerr-McGee, em Oklahoma, produzindo peças para construção de um reactor nuclear e que aparece morta no meio de circunstâncias bastante misteriosas após ter iniciado uma investigação que visava analisar as condições de segurança da central nuclear onde trabalhava.
Mike Nichols poderia ter abordado o argumento do filme (brilhantemente escrito pela estreante então Nora Ephron, acompanhada por Alice Arlen) a partir de uma vertente mais política, ou podia ter optado por tratá-lo como um drama sobre seres humanos, com qualidades e defeitos, que se vêem apanhados no meio de uma confusão, por acaso. Felizmente para nós, o realizador preferiu fazer um filme sobre o segundo e portanto o que temos aqui sé a história de indivíduos normalíssimos, a história do dia-a-dia das pessoas que trabalhavam numa fábrica / central nuclear, que vêm para o trabalho todos os dias à mesma hora e todos os dias saem da central à mesma hora, com vidas rotineiras, o mais vulgar possível. Mesmo os vilões da história, aqui, são tratados como pessoas, pessoas essas que cometem erros pelos quais outros pagam, mas ainda assim são pessoas como quaisquer outras. Uma coisa interessante acerca deste filme são os longos takes que dão um ar e um ritmo mais naturalista à coisa, em que em vez de só focar as personagens principais, focam as suas interacções com todos os intervenientes em cena.
Apesar de se notar que Mike Nichols tenta ser inclusivo nos seus takes, é em três pessoas em particular que ele foca a sua atenção (e são eles que ele segue até casa): Karen Silkwood (Meryl Streep), Drew Stephens (Kurt Russell), o seu namorado, e Dolly Pellikker (Cher), a sua melhor amiga, lésbica, que também vive em sua casa. São três interpretações fabulosas e três excelentes casos de imersão e devoção completa ao seu trabalho (quão raro é vermos três estrelas desaparecerem tão a fundo nos seus papéis). Obviamente que a que mais me surpreende é Cher. Tão longe da pessoa que Cher parece ser na realidade, mas tão humana e tão genuína que parece impossível não o ser. E claro, teríamos que chegar a falar de Meryl Streep. O trabalho que teve com esta personagem nota-se desde o início da película, uma vez que todos os seus gestos, o seu sotaque, os seus tiques e manias, as suas expressões faciais parecem tão intrinsicamente detalhados, trabalhados, pensados, todos os movimentos orquestrados automaticamente, de modo a conferir um ar de autenticidade que mais nenhuma outra actriz, ousaria dizer, consegue fazer tão bem como ela. Este é, na minha opinião, o grande trunfo do filme. A autenticidade das personagens principais. O quão convincentes estes três actores conseguem ser, de modo a que nós parecermos mais amigos que meras testemunhas do que se passa no ecrã com elas.
Depois de apresentados às personagens, descobrimos que a central nuclear está com problemas para cumprir os seus prazos, obrigando as pessoas a trabalhar turnos duplos e triplos e a cortar custos em tudo o que possa encontrar. Vários pequenos incidentes começam a chamar a atenção de Karen Silkwood para a falta de condições de higiene e segurança no trabalho da central e a falsificação de testes de controlo de segurança, tendo ela começado por avisar os responsáveis do perigo que as pessoas passavam.
Não obtendo resposta, ela recorre ao sindicato, que lhe confere alguma notoriedade e a leva a viajar para Washington para tratar do assunto com oficiais do sindicato. O assunto começa a tirar-lhe tanto tempo que ela negligencia o namorado Drew, que sai de casa, e reage mal à entrada da namorada de Dolly, Angela. Entretanto, começa a ser vítima de uma espécie de conspiração na empresa, com o sindicato local e os trabalhadores a mostrarem o seu descontentamento com as confusões que ela estava a começar com a gerência da firma e com a empresa a tentar envenenar Karen com níveis altos de plutónio nos frascos de amostra de urina que ela é requerida a fazer após ter sido contaminada uma vez.
Como se sabe pela história, a sua visita a um laboratório oficial após ter sido confirmada a contaminação elevada por plutónio só lhe reforçou a sua tese que as condições de segurança na fábrica estavam a ser negligenciadas e que era hora de agir. Como também se sabe, Karen nunca chegou a encontrar-se com o repórter do NY Times com quem tinha marcado encontro, aparecendo morta sob circunstâncias misteriosas. A polícia arquivou o caso e os documentos que Karen supostamente trazia consigo desapareceram. Nunca se conseguiu provar nada e a história tornou-se célebre pouco tempo depois por causa disso.
"Silkwood" é, no fim de contas, a história de uma mulher vulgar, nada extraordinária, mas trabalhadora e apaixonada pelo que faz, se bem que um pouco distraída e extrovertida a mais, que cresceu do anonimato a que estava habituada para um lugar de alguma preponderância e destaque, sendo castigada, no final, pela sua rebelião e liberdade de pensamento e expressão. Há que perceber que aqui na história não há pessoas más. Só há a verdade. E isso era o que Karen Silkwood vinha para contar e que ninguém a deixou fazer.
SILKWOOD (Nichols, 1983)
"Goddamn goverment fucks you comin' and going."
Ao filme passamos. "Silkwood" é baseado na história verídica de Karen Silkwood, uma mulher como tantas outras que por acaso trabalhava na central nuclear Kerr-McGee, em Oklahoma, produzindo peças para construção de um reactor nuclear e que aparece morta no meio de circunstâncias bastante misteriosas após ter iniciado uma investigação que visava analisar as condições de segurança da central nuclear onde trabalhava.
Mike Nichols poderia ter abordado o argumento do filme (brilhantemente escrito pela estreante então Nora Ephron, acompanhada por Alice Arlen) a partir de uma vertente mais política, ou podia ter optado por tratá-lo como um drama sobre seres humanos, com qualidades e defeitos, que se vêem apanhados no meio de uma confusão, por acaso. Felizmente para nós, o realizador preferiu fazer um filme sobre o segundo e portanto o que temos aqui sé a história de indivíduos normalíssimos, a história do dia-a-dia das pessoas que trabalhavam numa fábrica / central nuclear, que vêm para o trabalho todos os dias à mesma hora e todos os dias saem da central à mesma hora, com vidas rotineiras, o mais vulgar possível. Mesmo os vilões da história, aqui, são tratados como pessoas, pessoas essas que cometem erros pelos quais outros pagam, mas ainda assim são pessoas como quaisquer outras. Uma coisa interessante acerca deste filme são os longos takes que dão um ar e um ritmo mais naturalista à coisa, em que em vez de só focar as personagens principais, focam as suas interacções com todos os intervenientes em cena.
Apesar de se notar que Mike Nichols tenta ser inclusivo nos seus takes, é em três pessoas em particular que ele foca a sua atenção (e são eles que ele segue até casa): Karen Silkwood (Meryl Streep), Drew Stephens (Kurt Russell), o seu namorado, e Dolly Pellikker (Cher), a sua melhor amiga, lésbica, que também vive em sua casa. São três interpretações fabulosas e três excelentes casos de imersão e devoção completa ao seu trabalho (quão raro é vermos três estrelas desaparecerem tão a fundo nos seus papéis). Obviamente que a que mais me surpreende é Cher. Tão longe da pessoa que Cher parece ser na realidade, mas tão humana e tão genuína que parece impossível não o ser. E claro, teríamos que chegar a falar de Meryl Streep. O trabalho que teve com esta personagem nota-se desde o início da película, uma vez que todos os seus gestos, o seu sotaque, os seus tiques e manias, as suas expressões faciais parecem tão intrinsicamente detalhados, trabalhados, pensados, todos os movimentos orquestrados automaticamente, de modo a conferir um ar de autenticidade que mais nenhuma outra actriz, ousaria dizer, consegue fazer tão bem como ela. Este é, na minha opinião, o grande trunfo do filme. A autenticidade das personagens principais. O quão convincentes estes três actores conseguem ser, de modo a que nós parecermos mais amigos que meras testemunhas do que se passa no ecrã com elas.
Depois de apresentados às personagens, descobrimos que a central nuclear está com problemas para cumprir os seus prazos, obrigando as pessoas a trabalhar turnos duplos e triplos e a cortar custos em tudo o que possa encontrar. Vários pequenos incidentes começam a chamar a atenção de Karen Silkwood para a falta de condições de higiene e segurança no trabalho da central e a falsificação de testes de controlo de segurança, tendo ela começado por avisar os responsáveis do perigo que as pessoas passavam.
Não obtendo resposta, ela recorre ao sindicato, que lhe confere alguma notoriedade e a leva a viajar para Washington para tratar do assunto com oficiais do sindicato. O assunto começa a tirar-lhe tanto tempo que ela negligencia o namorado Drew, que sai de casa, e reage mal à entrada da namorada de Dolly, Angela. Entretanto, começa a ser vítima de uma espécie de conspiração na empresa, com o sindicato local e os trabalhadores a mostrarem o seu descontentamento com as confusões que ela estava a começar com a gerência da firma e com a empresa a tentar envenenar Karen com níveis altos de plutónio nos frascos de amostra de urina que ela é requerida a fazer após ter sido contaminada uma vez.
Como se sabe pela história, a sua visita a um laboratório oficial após ter sido confirmada a contaminação elevada por plutónio só lhe reforçou a sua tese que as condições de segurança na fábrica estavam a ser negligenciadas e que era hora de agir. Como também se sabe, Karen nunca chegou a encontrar-se com o repórter do NY Times com quem tinha marcado encontro, aparecendo morta sob circunstâncias misteriosas. A polícia arquivou o caso e os documentos que Karen supostamente trazia consigo desapareceram. Nunca se conseguiu provar nada e a história tornou-se célebre pouco tempo depois por causa disso.
"Silkwood" é, no fim de contas, a história de uma mulher vulgar, nada extraordinária, mas trabalhadora e apaixonada pelo que faz, se bem que um pouco distraída e extrovertida a mais, que cresceu do anonimato a que estava habituada para um lugar de alguma preponderância e destaque, sendo castigada, no final, pela sua rebelião e liberdade de pensamento e expressão. Há que perceber que aqui na história não há pessoas más. Só há a verdade. E isso era o que Karen Silkwood vinha para contar e que ninguém a deixou fazer.
Nota:
B+
Trailer:
Informação Adicional:
Realizador: Mike Nichols
Argumento: Nora Ephron, Alice Arlen
Elenco: Meryl Streep, Cher, Kurt Russell
Fotografia: Miroslav Ondrícek
Banda Sonora: Georges Delerue
Ano: 1983
Duração: 131 minutos
2 comentários:
Great! Por momentos pensei que tinham abandonado este programa dedicado à grande Meryl.
Ainda não vi os dois filmes, mas o Silkwood desperta-me grande interesse :)
Não Nun0B., de todo. Quero ver se encerro para a semana com a rubrica.
E o teu artigo vai ser publicado juntamente com a minha celebração do ANGELS IN AMERICA, fica descansado :)
Eu recomendo vivamente toda a filmografia dela excepto um ou outro título, mas estes três dos anos 80 - aliás, os 4, mas lá iremos quando eu publicar a crítica - são muito bons.
O SILKWOOD admiro-o particularmente pela forma como parece mais um documentário do que um filme (nem parecem actores, parecem mesmo pessoas vulgares). E ela é extraordinária no filme.
Obrigado pelo comentário,
Jorge Rodrigues
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